quinta-feira, 10 de junho de 2010

AS KOISAS KOMELASSÃO— Ambição Inconstiente


Ambição Inconsciente

O pior cego é aquele que não quer ver.

Por Irênio de Faro

Sebastião Alfredo, o Sebá, sempre quis ser um grande astro de futebol mas talvez por jogar num time de várzea, na cidade de Feira de Santana, Bahía, parecia fadado a terminar sua carreira exatamente naquilo: um jogador de time de várzea.
O atleta, contudo, era otimista, não perdia a fé num futuro melhor.
— Vocês ainda vão me ver na seleção, lá nas estranjas, fazendo gols adoidado, com mais fama que esse tal de Ronaldinho, que não vejo nada nele, é igual a mim! — dizia aos amigos, entre um copo e outro de uma cerveja estupidamente gelada. — Quem viver, verá!
Os companheiros achavam graça mas preferiam não ridicularizar o jogador, comentavam que sim, que ainda veriam e ouviriam os locutores de TV tecendo-lhe os maiores elogios. Afinal, tratava-se de um bom amigo, bom no campo e fora dele, uma excelente companhia para uma rodada de umas tantas louras suadas, em meio aos salgadinhos que apenas a dona Miquelina, mulher do dono do bar, sabia fazer.
Jogar mal, não jogava, mas também não era um cracão. Era um grande oportunista, isso sim, sabia aproveitar muito bem quando os rapazes lhe passavam a pelota, de bandeja, mas não era de correr atrás da bola, de cavar jogada. Mas como futebol é assim mesmo — o que interessa é gol feito — Sebá terminava todos os campeonatos de várzea, como goleador.
Picolé, o técnico do Blue Star — nome tão sofisticado e americanizado para um timezinho sem importância — conhecia os méritos e defeitos do atleta e atribuía sua fama de artilheiro mais à fraqueza dos adversários, que a seu valor pessoal. Tivessem melhores oponentes e, o jovem jogador não passaria de um homem a mais em campo.
Só que Sebá não pensava assim. Com o ego inflado por ter sido o artilheiro durante três anos consecutivos, decidiu-se a voar mais alto e, sem perda de tempo, procurou contato com o Kadu, conhecido empresário que, certamente, o levaria a jogar no Rio, ou em São Paulo, ou até mesmo no exterior.
— Deixe comigo! Levar você pro Flamengo vai ser moleza! — exclamou Kadu ao ser consultado — Quantos gols você fez este ano?
— Vinte e sete!
— Considere-se já vestindo a camisa do Mengão!
Animado, Sebá convidou seu técnico para uma cervejinha:
— Está tudo certo, acho que só falta mesmo assinar o contrato!
Picolé ouviu atentamente e deu sua opinião:
— Não me leve a mal, meu caro Sebá, sabe como gosto de você, mas está me parecendo uma decisão precipitada, esse negócio de ir jogar num timaço do Rio!
— Precipitada? Por que?
Picolé precisava de bastante tato para não ofender o amigo:
— Olhe aqui, rapaz, você está num time de várzea, numa cidade do interior, onde a maioria dos jogadores adversários são pernas-de-pau, não passam disso! Lógico, você é habilidoso, não sou louco em negar, mas o pessoal do outro lado, seja de que time for, é muito fraco, daí você se destacar do jeito como faz gols. Mas, francamente, ir pro Flamengo, e ter de enfrentar um Vasco ou um Botafogo, aí é dose, Sebá, eu não aprovo sua idéia!
O atleta tomou mais um gole da cerveja e, agastado, retrucou:
— Você está é com inveja, que nunca recebeu proposta pra sair deste buraco, aí bota defeito em mim, quer que eu desista. Mas não vou desistir, não. Já dei minha palavra, está tudo sacramentado, e quer saber de uma coisa? Já vi que você não é meu amigo, nem nada, que vá pro inferno, que não quero mais nada com você!
No final da semana, a despedida da cidade, com os amigos chorando na estação rodoviária, onde Sebá pegaria um ônibus para Salvador, e de lá, rumaria de avião para o Rio de Janeiro. No Rio, Sebá foi recebido em grande estilo: afinal, fora comprado como sendo um grande goleador, merecia toda aquele champanhe, todas aquelas entrevistas e salamaleques mil.
No início foram apenas treinos, até o atleta se ambientar com os companheiros mas quando chegou a hora do vamos ver, Picolé mostrou que não se enganara. A passagem do jogador Sebá pelo Flamengo foi um redondo fracasso. De artilheiro em Feira de Santana, o rapaz mostrou apenas ser um atleta medíocre, ainda mais, descansado, preguiçoso e acomodado. Um péssimo investimento.
— Lamento, rapaz, mas vamos ter de rescindir seu contrato! — disse o presidente do clube. — Afinal, contratamos um goleador e o que temos à mão? Um fiasco em todos os sentidos, um sujeito que não sabe passar uma bola, que tromba com a moçada a todo instante, que não acerta um único chute a gol, mesmo quando recebe um passe na medida! Francamente, seu Sebá, se você é goleador, eu sou Papai Noel!
Desiludido e humilhado, Sebá teve de amargar o prejuízo, e voltar para Feira de Santana. Já na terrinha, tentou fazer as pazes com Picolé, convidou o seu ex-técnico e ex-protetor para um chopinho.
— Você não quis me ouvir, quebrou a cara! — exclamou Picolé sem preâmbulos. — Tivesse me ouvido, tivesse pelo menos prestado atenção ao que acontecia à sua volta, não teria feito a burrada que fez, largando uma situação cômoda em troca de uma aventura desastrada! Bastava parar um pouquinho, desinchar esse seu ego tamanho-família e dar uma olhadinha, ver o que realmente se passava. O grande Sebá, o grande goleador de várzea naturalmente que precisaria de muito mais experiência para tentar a vida fora daqui!
— E agora, que que eu faço?
— Agora, é recolher os cacos desse seu fiasco, dar a volta por cima, partir para outra! Se não quiser mais jogar em time de várzea, procure o que fazer, porque em matéria de futebol você está acabado!
Picolé sabia que estava sendo duro, mas não tinha outro jeito:
— Tem mais, não volte a contar comigo, que não gosto de gente burra!


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